plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Uma a cada cinco
Juliana Petermann 
Professora universitária

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A gente acha que fazer a análise de uma realidade a partir de dados de pesquisas é mais objetivo. Porque, afinal, são números. Não têm história. Eu não sei onde moram, nem do que gostam. Os números soam como algo lá, bem distantes da gente. Mas, às vezes, os dados nos vêm como um soco no peito. Uma realidade sem rosto, sem nome, mas com as marcas do quanto falhamos como sociedade. Caso você não saiba, deixa eu te contar que uma a cada cinco meninas no Brasil já sofreu violência sexual. É duro imaginar cinco meninas e saber que uma delas já foi tocada, manipulada ou beijada contra a própria vontade, ou teve partes do corpo expostas sem autorização. Para essas meninas não lhes foi concedido o direito de serem quem são: crianças, inocentes, indefesas. Seus limites, violentados, agredidos, invadidos. Seus corpos foram entendidos como públicos ou como propriedades de outro.

DENTRO DE CASA

Esse dado foi apresentado pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) feita pelo IBGE, em 2019, e que considerou jovens do 7º ano do ensino fundamental ao 3º do ensino médio. A coleta de dados foi feita antes da pandemia, período no qual o risco de violência doméstica aumentou. Assim, os dados de hoje podem ser ainda piores. O ambiente, que deveria significar proteção e cuidado, oferece um dano irreparável. Uma marca que marca não só o corpo, deixa uma cicatriz profunda, que se inscreve na vida e determina o modo como serão todas as próximas experiências.

FORA DA CASA

Tá lá na nossa Constituição: é dever da família, mas é também da sociedade e do Estado garantir o direito vida, dignidade, ao respeito e liberdade na infância e na juventude. Diz ainda que a lei deve punir severamente o abuso, a violência e a exploração sexual de crianças e jovens. Mas o Estado Brasileiro, muitas vezes, é negligente e esta não é uma exclusividade nossa, infelizmente.

Nas últimas semanas, a ginasta norte-americana Simone Biles veio à público dizer-se uma sobrevivente de abuso sexual. Biles disse ainda: falharam conosco e merecemos respostas". 

A atleta se referia ao fato de que, embora denúncias tenham sido feitas, o ex-médico da equipe de ginástica feminina não foi investigado durante seis anos. Emocionada em seu depoimento, ela perguntou: "Por que nada foi feito?". 

Porque, muitas vezes, nada é feito. De um lado, estão as meninas, querendo viver sua meninice, sua inexperiência, conhecer o mundo aos seus tempos, e do outro, está a negligência, a conivência e a perpetuação da violência, dentro e fora de casa.

Apelidos
Eni Celidonio
Professora universitária

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Estávamos vendo um jogo do Campeonato Brasileiro, Fluminense contra sei lá o quê, e lá pras tantas, o Celso virou-se e me saiu com essa:

- Acho que está na hora de o Nenê se aposentar...

Sentiram o inusitado da coisa? Um nenê na idade de se aposentar... Gente, é muito esquisito esse tipo de colocação. Na cabeça da gente, nenê é um bebê, no início da vida, como que pode ter idade de se aposentar? As pessoas recebem diferentes apelidos e vários deles são totalmente fora da casinha, não tem nada a ver com a pessoa, pelo contrário, deixam-nas constrangidas, como se pedissem desculpas pela situação.

Minha mãe, sempre que íamos a Conservatória, interior do Estado do Rio de Janeiro, ia visitar a madrinha dela. Eu não ia quase nunca, mas sempre imaginei a criatura com uns dezessete ou dezoito anos, porque, simplesmente, o apelido dela era Mocinha. Um belo dia, eu devia ter uns onze anos, mamãe resolveu me levar para a visita à madrinha dela, e qual não foi o meu susto quando conheci a tal da Mocinha: ela já estava com uns 70 e tantos anos, tinha o rosto cheio de rugas, os cabelos bem branquinhos, e o povo chamando a criatura de dona Mocinha... Faça-me o favor!

Meu pai dizia que sempre imaginou que os seus filhos teriam nomes curtos, porque se são nomes compostos, as pessoas sempre escolhem só um, tipo Ana Maria vira Ana, Vera Lúcia vira Vera, Maria Cristina vira Cris e, por aí, vai. Na verdade, até tem alguém que chama pelos dois nomes: a mãe quando vai dar uma bronca: Luiz Fernando, desce daí! Bruno Otávio, não mexe nisso! Nara Elizabeth, fecha essa porta! Por isso, nós três temos nomes curtos: Nei, Eni e Ceci. Como colocar apelidos em gente com esses nomes? Pois tem como. No colégio, chamavam o Nei de Neco, eu virei Nininha e a Ceci era a Cica. Gente, não tem jeito. Aqui no Sul, é um dos lugares onde as pessoas têm mais apelidos: Mano eu conheci uns trezentos, Neca é quase uma por família, é impressionante! Eu me perguntava como as pessoas sabem que o Mano ao qual a pessoa se refere é o Mano que a gente está pensando. Tenso...

Um colega meu de escola, que só não era mais feio porque era um só, era o Bonito, e não é dizer que era um apelido debochado não, era apelido dele desde que nascera, e o pior é que ele acreditava, se achava o galã da escola, contava as peripécias com as meninas que davam em cima dele, mas que ele não dava bola pra nenhuma delas. Sério, têm pessoas que me parecem que levam o apelido muito a sério, na verdade, uns ficam constrangidos e outros se aproveitam do apelido para melhorar a autoestima.

Mas nenhum apelido me deixou mais impressionada do que o apelido da Mocinha, que aliás não sei o nome dela até hoje. E não tem como não pensar, quando eu lembro da dona Mocinha, do documento que a gente tem que preencher todo mês na universidade, a tal da situação Covid. Todo mês, a gente tem que explicar a nossa situação e eu sempre aviso que tenho mais de sessenta anos e estou dando aulas remotas. Agora, eu pergunto: se eu tenho mais de sessenta anos em março, vou ter mais de sessenta em abril, em maio, em junho, e no anos todo, afinal, não sou Benjamin Burton, né? Mas adoraria!

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